segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Beijo Azul

Pessoas morrem na minha cidade. Uma cidade que na realidade não é minha.
Pessoas morrem, e não me refiro a morte que é esperada, que é anunciada como natural e adjetivada como um descanso. Que bom que ele descansou, que deus o tenha.
Não, me refiro a mortes prematuras. Aquelas mortes que não entendemos. Mortes de jovens, mortes de pessoas ao trabalho, taxistas, ciclistas, motoristas, mendigos, empresários. Bom, ninguém escapa a foice. Ou seria uma contagem regressiva onde a nossa existência é baseada em preencher um envelope de experiência que ao se apresentar cheio, fecham-se as cortinas. Fim de papo, e assim estaremos passando a: minerais, cinzas, ossos, aparições fantasmagóricas e ao nada. Ou seria somente o nada?
Não me orgulho de como vivo. Como mal, durmo mal, trabalho mais do que devo. Tomo para mim compromissos que não deveria e guardo comigo mais do que é saudável. Uma pizza por mês, fibras em excesso, álcool e stress. Falta de vitaminas e potássio, excesso de proteína e carboidratos. Violência, agressão, condescendência e falta de respeito para com corpo e alma. Destruo móveis como hobby. Bananas, era o que me faltavam. Eu acreditava. Possuo um olho com um grau razoavelmente alto, que não me permite enxergar direito a perspectiva do lado esquerdo. Mesmo lado esquerdo que possuí um membro meu com falta de mobilidade e uma leve curva que o defeitua esteticamente. Defeitua existe? Minhas pernas funcionam bem, tive caibra duas vezes na vida. Mas o potássio não serve somente aos músculos.
A negligência quanto a minha saúde se baseia na premissa que nada pode me derrubar e portanto, nada me derruba. Sinto dores de cabeça horríveis, que apesar de eu ter ciência de que são parte da negligência para com o hábito de usar óculos, ignoro, pois consigo ignorar. Assim ignorei a tudo, e aprendi a controlar a mim, e ao meu tempo. Duas horas e meia passam em um piscar de olhos. Não viu?
Meio dia, sol escaldante. Cheiro de podre, uma rua apinhada de veículos e pessoas que simplesmente vagueiam na busca de um dinheiro que vai suprir as necessidades que elas não possuem. Um viaduto de cor vermelha com um cruzamento exclusivo de ônibus. Uso fones de ouvido grandes, do tamanho exato para que eu não consiga ouvir o que qualquer um fala. Não me interesso.
Eu caminho pela rua, são cruzamentos. Minha cabeça dói do lado direito, o meu lado que funciona, o meu lado que não quebrou. O zumbido da rua me irrita e eu estou atrasado pro trabalho, sempre estive. Não consigo ver direito, o sol, a dor, a irritação, o entorpecimento e o gosto de suor tomam conta de tudo. As gotas salgadas empapam meus olhos e a dor traz miopia a minha visão. Cruzo o primeiro cruzamento. Sigo andando, passo pelo segundo, esbarro em um senhor sem rosto. Subo na calçada, ando por baixo do viaduto cheio de pessoas e frutas em decomposição, chego no terceiro cruzamento e sinto meu braço queimar com um quente beijo azul. Um ônibus freia de maneira escandalosa ao mesmo tempo que faz soar sua buzina em protesto por eu ter atravessado a rua sem a exclusividade dos coletivos. Eu levanto o dedo do meio do meu braço esquerdo quebrado e torto sem parar de andar, aponto para o motorista e não me presto a olhar para o lado. Somente sinto o bafo do motor no meu rosto, o calor do metal azul e sigo em frente. Debocho, sou bom nisso.
O ônibus não me atropela. Porque? As pessoas morrem aqui. E morrem por menos. Eu notaria?
Seria notado ou seria anotado?

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