sábado, 21 de novembro de 2015

Fracasso

          Na vida aprendemos a ser infalíveis. Decoramos fórmulas, criamos teorias e muitas outras engolimos com o objetivo de sermos cada vez menos falhos. Nos projetamos por asfalto e cortamos a própria carne para obtermos cada vez mais, menos. Calamos nossas vozes com pílulas, afagamos nossas dores com substâncias e acalmamos nossa ansiedade com momentos fugazes. Ensinamos ao nosso corpo que é necessário resistir a agressão, como o músculo que ao ser ferido, se torna mais forte. Treinamos nossas sensações a obedecer o padrão da moda, pra desejar o que é desejado. Colocamos na nossa cabeça, esperando que pelas sinopses elétricas chegue ao coração, que o amor é algo inalcançável para a nossa sociedade já desacreditada e desesperançosa. Confesso que já fiz parte dela. Ela é nutritiva, como o mingau. Não tem gosto, mas te mantém em pé, nutrido e apto a seguir em frente.
        Mas não sabemos tudo, e apesar de buscarmos com um desejo romântico desesperado tornarmo-nos infalíveis, não o somos. Há uma brecha em toda equação, e em todo coração.
Eu me condicionei a não mais amar, não que eu não acreditasse, mas que eu já realmente estava de saco cheio de o meu conceito de afeto ser forçado pra dentro de esquadros que ele não cabia. Me vacinei, me treinei, e me autocondecorei infalível, intocável, inquebrável...
Vacilei ao primeiro olhar teu.
          Não foi a primeira vez que te vi, mas foi também. Não foi a primeira vez que te toquei, mas também foi. Um abraço, uma troca de olhares, bastou. Mas para que? O toque da pele para com o tecido da tua blusa. O receio adolescente que invadia a minhas certezas de adulto, impávido. De repente o cinema, arte que tanto admiro, não era mais tão importante. E olha, que eu sempre gritei aos berros: Cinema, é para se ver o filme. Me traí. Pois o mais interessante não refulgia na tela gigantesca, mas nas janelas dos teus olhos.
          Fazia frio, e eu olhava para baixo. Fugindo das sensações que me engolfavam não me deixando respirar. Mas senti teu corpo, por baixo das finas camadas de tecido, tremendo. Não pensei, somente busquei te trazer pra perto, como se mais nada no momento fosse mais importante do que calar qualquer tipo de incômodo do teu corpo. Te puxei para mim, e ao tu levantar os teus olhos castanhos, não havia mais nada a dizer. Te invadi, e fui invadido. Senti uma a uma as portas da minha casa, tão bem trancadas e reforçadas, serem destruídas por um jorro de luz, cor e sabor. As minhas estruturas, experientes e inabaláveis a quase três décadas quebraram como se fossem pedaços de papel, amassados pela tua mão. Naquele instante, casei contigo no segredo do meu silêncio. Te pedi a mão com o olhar, e tive como testemunha o teu sorriso. Abençoado pelas estrelas que, tímidas, se escondiam por entre véus de água congelada.
          Te abracei em uma calçada qualquer, não lembro a rua, não lembro o número, só lembro de ti. É como se a partir do momento em que eu te toquei com meu olhar, todo o resto se tornasse difuso, desinteressante. Te abracei, novamente. Como é bom dizer que o fiz. E  o ato, que apesar de parecer ensaiado por grandes diretores e gigantescas companhias, nasceu e se executou no exíguo espaço entre os nossos corpos. Iluminado pela equipe de iluminação formada pelos nossos dois sorrisos.
           Já entregue, catava os estilhaços da minha ilusão intocável, quando fui atingido por uma estrela cadente, incandescente como o teu sorriso. Tapei meus lábios com as mãos para afogar o grito de amor que nascia de mim, dos astros, de ti, do chão frio, das paredes e das páginas do teu corpo. Perdi a voz, e lembro como se fosse agora, do frio no estômago que senti quando baixei os olhos do cosmo infinito e me banhei no teu olhar de meia lua. Sorrindo, como se já soubesse. Seria possível?
E então, mais uma. Mais uma estrela cortou o céu, desta vez de maneira lenta e preguiçosa. Como se o astro, que viajou durante anos sem conta, tivesse tido a paciência de fazer a trajetória mais longa possível, para que os nossos olhos juntos pudessem testemunhar a sua existência e o seu fim. O nosso começo.
           E então, mais uma vez, com somente o céu como testemunha, te amei. Não mais como infalível e intocável. Mas como um fracassado, um derrotado, que ousou acreditar que o amor realmente poderia ser tão frio quanto as teorias que ambos aprendemos, na tentativa vã de obter algum controle do caos.
              Nunca um fracasso foi tão doce

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