segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Olhos de descoberta

O que um olhar pode dizer? O que um olhar pode acessar? Tudo, apesar de as vezes nada. Não sou tão jovem quanto já fui, nem tenho tanta inocência quanto já tive, mas acredito que os olhos, nossa maneira de acessar o mundo, são os que mais mudam no processo de amadurecimento. Quando adultecemos, parece que o nosso olhar ganha um blur. E à nitidez da infância, são adicionados vários filtros: o da desconfiança, que torna tudo vermelho e perigoso. O da malícia, que desfoca tudo, a não ser aquele foco no centro. O da expertise, que adiciona textos e conceitos a coisas que antes apenas sentíamos.Também o filtro do preconceito, que aumenta os contrastes, adicionando e selecionando cores, as destacando de maneira artificial. Um dos filtros que adicionam aos nossos olhos, as vezes é mesmo o do desfoque, onde tudo que vemos são apenas vultos. Nos obrigando ficar imersos no nosso próprio mundo, infelizmente com menos cores do que as do sol. Ou filtros de saturação, que por melancolia dissimulam todas as cores, fazendo com que somente as formas sejam captadas, mas não sua gama de sombras, texturas, níveis e etc.
Dos degraus da minha idade, tentava manter todos os meus óculos no pescoço, pendurados para uma possível necessidade, como invejo as crianças. Elas sim enxergam o mundo como ele é, sem filtros, sem receios, no agora. Vivem o pra sempre em cada segundo.
Mas, da minha arrogância, de conhecedor de lentes e filtros, um dia conheci uma garota e me surpreendi com seus olhos. Ela não era uma criança, mas mesmo assim me olhava sem filtros.
Nem eu me via sem filtros.
Os olhos dela eram olhos de descoberta, olhos de criança que veem o sol pela primeira vez. E que por isso mesmo, se deliciam e sentem dor ao mesmo tempo. Desacostumados com a crueza e a nitidez da realidade. Os redondos e vivos olhos dela me remetiam a descortinamentos monumentais, que jamais eu, do alto da minha arrogância, acreditei que ainda sobreviveriam. Pensava que nas curvas do seu corpo, esse olhar talvez tivesse perdido o controle e caído pelo desfiladeiro da obsolecência. Ela olhava os meus olhos, como acredito que Colombo olhou a América, depois de anos de azul sem fim. Ela percorria as formas do meu sorriso, como Iracema observou aquele vulto crescer no mar. Desafiando suas verdades, aguçando seu medo, mas não desfazendo a sua deslumbrada curiosidade de saber o que era aquilo que seu mundo agora recebia.
Ela tinha os mesmos olhos que testemunharam o fogo tremeluzir pela primeira vez, e as chamas se insinuarem como pequenas dançarinas que luxuriosas lambiam seus dedos desbradores, ensinando a dor.
Os seus olhos de amêndoa eram dois precipícios que eu mergulhava e via estrelas nascerem e morrerem. O seu olhar era todo o universo, eram as bordas da existência que transbordam a razão em direção ao nada. Para que assim, o nada ao ser tocado, se tornasse algo, se tornasse verdade, existência.
Me tornei verdade seu primeiro pestanejar. Cada abrir de olhos uma descoberta.
Suas pestanas não eram somente a pobre pele que nos protege da realidade quando fugimos para o mundo dos sonhos. Mas sim as cortinas que abrem o espetáculo da realidade em sua verdade, talvez as vezes turvas, mas nunca dissimuladas, pelas lágrimas.
No momento em que senti o seu olhar, deixei de lado minhas lentes. Pois sabia que nada mais havia para esconder daquele olhar que ultrapassava meus panos, minhas armas, para olhar diretamente a minha alma.

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