quarta-feira, 17 de junho de 2015

Memórias da Chuva

Quando eu era pequeno, quando eu era pequeno em mim, eu escrevia poemas. Mas eu escrevia poemas como um método de chupar de dentro de mim o veneno que eu injetava pelos olhos, e que bombeado pelo coração tomava conta do meu corpo em uma metástase negra de silêncio.
Quando eu escrevia, eu me fechava no meu quarto, sentava na minha cama de madeira, por cima das ripas de madeira que eram 30 anos mais velhas que eu, e sugava, sôfrego, a minha inocência da minha própria veia em busca do meu osso, da minha verdade, da minha medula.
Eu operei sem anestesia o meu coração, eu me transformei, eu derrubei castelos, cortei cartas e construí com tijolos, as pontes que suportaram o meu coração longe do vórtice dos teus sorrisos.

Eu acordava irrequieto de sonhos, em noites que não acabavam. Observava sombras que projetavam locomotivas em direção ao espaço da fechadura. Via teus cabelos encaracolados, dourados, angelicais, em terras selvagens, por cima do mármore da tua pele. Por baixo do tigrado das tuas intenções. Me embebedei do teu verde e te beijei pela última vez ferido, e maculado para todo o sempre. Teu perfume de fuligem me pintava a retina e escurecia minha visão como o impacto do chão que se aproximava feliz, se abrindo pra quebrar o meu crânio. Me abraça forte como a morte?

Montei acampamento, eu, pele e rio, firmei minha casinha num galho de luz. Te chamei pra dentro, pois o vento estava frio. Lambi teus dramas com suco de pêssego, enquanto revestia as paredes com as tuas cartas, com as tuas páginas, teus capítulos e tuas referências. Fiquei surdo, me tornei eunuco, e o fim veio no acender do isqueiro, onde os fogos de artifício explodiram na minha cara. E fim. Acendi o fogo das tuas lembranças e os aticei com meus desenhos de criança. Queimei minhas impressões digitais com caramelo, e ignorei a banda que tocava marchinhas de carnaval na frente da tua casa.

Abri teus olhos e enchi teus pulmões de ar. Te fiz respirar e te dei o nome que hoje amaldiçoa. Fui teu forte de pedra e sozinho defendi teu ouro dos que ali pilhavam. Durante 300 anos me escondi, e me desacostumei da luz do sol. Fiquei cego, virei morcego e voei em direção a ti. Tu levou o meu relógio, meu chapéu e no fim não aceitou a rosa que eu te comprei. Encontrei uma garrafa ao pé da escada e a bebi, antes de lançar o olhar rua acima. Desisti de te entender, te entreguei teu instrumento e como um adeus, te vi sair da mesma maneira que me deixas-te entrar.



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