domingo, 10 de julho de 2016

As Beatas

Consegui essa história com grande dificuldade, não existem fontes confiáveis para a mesma. Ela não está em livros, não está na internet e você não vai encontrar ninguém em sã consciência que queira conversar sobre tal absurdo. Por esse motivo, esta história foi conseguida em uma entrevista com um dos moradores do Hospital Psiquiátrico São Pedro, da cidade de Porto Alegre. O homem, que muitas vezes se mostrava muito aflito conversou comigo sobre "As Beatas" de maneira extremamente coerente, o que me surpreendeu. Visto que ele é considerado como alguém que não possuí discernimento de datas ou mesmo lugares. 
Morador do instituto há mais ou menos 30 anos, o entrevistado me falou que ali ele se sente seguro, pois viver no "lado de fora" é estaria a mercê das Beatas como o mesmo se refere.
Este morador iniciou o seu relato contando que ele fazia parte de uma pequena empresa regida por um multimilionário no interior do estado do Rio Grande do Sul. Procurando emprego, ele encontrou essa oportunidade de trabalhar como faxineiro nesse local afastado. O patrão, além de salário, provia casa, alimento em troca de pouquíssimo tempo de descanso, porém, muitas pessoas ainda procuravam esse emprego, tendo em vista o polpudo retorno em se viver em um local afastado fazendo trabalhos que a maioria das pessoas não gostaria de fazer.
No início, segundo o relato, ele fazia a limpeza de um grande galpão que diariamente se mostrava sujo de excrementos de animais e sangue, nada surpreendente tendo em vista que ele havia sido contratado por uma suposta fábrica de carne. O que o deixava confuso, é que este salão era a única construção em um raio de muitos quilômetros. Não haviam animais, não havia matadouro, não havia equipamentos a vista. Só um grande salão em um galpão tinindo de novo com mesaninos protegidos por janelas espelhadas. Ele dividia o seu trabalho com mais umas 14 pessoas, todos parecendo de lugares diferentes e que não se interessavam em manter uma conversa além do básico. Todos pareciam esconder algo.
O fato de não conversarem muito, se dava também pelos equipamentos que utilizavam. Sob a prerrogativa de desinfetar o local, grandes ventiladores no teto faziam cair uma chuva de água e desinfetante enquanto as pessoas ali trabalhavam. No início, o nosso entrevistado se perguntava o que era aquela substância que caía, mas durou pouco a sua curiosidade. Pois essa substância que todos respiravam, causava um estupor que os fazia ser cada vez mais passivos e relutantes em deixar o local de trabalho, chegando ao ponto de muitas vezes se encontrar pessoas dormindo do lado de fora do galpão. Durante anos ele trabalhou no local, dedicando seus dias a limpeza e ao vício naquela chuva tóxica, e as noites a se atirar na cama e dormir um sono sem sonhos.
Seu dinheiro crescia, o contador da empresa sempre lhe mostrava o seu saldo bancário com muitos números se acumulando, mas estranhamento ele afirma que não queria sair de lá. Até o momento em que da janela do galpão ele viu a visão que modificou a sua vida. Em um dia de trabalho, ele seguia varrendo e inalando aquele produto enquanto via carrões chegando e saindo do escritório do seu patrão. Após um grande movimento, ele visualizou uma pequena silhueta observando pela pequena janela que dava precariamente a visibilidade do exterior. Era uma mulher de cabelos castanho claros soltos, com uma roupa preta composta de retalhos colados ao corpo, observando ele calmamente com os lábios coloridos de roxo. Quando ele a viu, parou de varrer e se levantou, mantendo o olhar que a mulher calmamente o proporcionava. Resgatado do estupor pela visão da mulher de preto, ele saiu do galpão e começou a circundar o local, a procura dessa pequena intrusa. Seria alguém que veio para as reuniões com seu patrão?
Ao sair do Galpão, deixando seus companheiros lá dentro ele notou o contraste gritante de uma estradinha de chão com caminhonetes gigantes de cores escuras, estacionadas de maneira descuidada. Depois de uma breve procura, decidiu voltar ao trabalho, mas ao observar de relance a porta do escritório, notou que a luz piscava e isto atiçou a sua curiosidade.
Cautelosamente começou a se aproximar do escritório, que era um verdadeiro tabu para todos que ali trabalhavam. O chefe havia os instruído que qualquer um que se aproximasse dali seria imediatamente demitido. Não se sabe se o fato de parar de respirar o ar úmido repleto de desinfetante ou a curiosidade foi o que o levou a abrir a porta em silêncio e ver o que acontecia lá dentro.
Ao entrar, visualizou uma pequena antesala com a parede revestida de madeira e móveis da mesma cor dando para duas portas, uma delas entreaberta. O homem se aproximou devagar e abriu a porta sem fazer barulho.
A cena que viu ao abrir a porta gelou seu estômago e nunca mais se apagou da sua lembrança.
Sobre uma enorme mesa de reuniões de vidro, se espalhava o sangue de no mínimo dez homens, todos ainda sentados e com o sangue escorrendo vagarosamente da garganta cortada para a mesa de vidro, onde se encontrava com o de outros cadáveres debruçados formando uma poça vermelha que pingava devagar para o chão de madeira.
Na ponta da mesa, estava a mulher de roupa preta acocorada em cima da mesa, de frente para aquele que antes deveria ser o seu chefe. A mulher com sincronia precisa, levantava uma pequena faca prateada e perfurava o peito do homem já morto, como se as facadas fizessem parte da música que ela alegremente cantarolava.
(Continua)

Um comentário:

  1. teu texto tem aquela coisa diferente que faz querer saber o que vai acontecer, aquela coisa que instiga e faz com que tu não queira parar a leitura. isso é especial! :)

    ResponderExcluir